Hipertensão Intracraniana Idiopática (HII)

A Hipertensão Intracraniana Idiopática (HII), historicamente conhecida como Pseudotumor Cerebral ou Hipertensão Intracraniana Benigna, é um distúrbio neurológico complexo caracterizado pelo aumento da pressão do líquido cefalorraquidiano (LCR) ao redor do cérebro, sem uma causa identificável, como um tumor, uma infecção ou uma trombose.

O termo “benigna” tem caído em desuso pela comunidade médica, pois, embora não seja cancerosa, a condição pode levar a consequências graves e permanentes, principalmente a perda visual irreversível, se não for adequadamente diagnosticada e tratada.

Fisiopatologia

O mecanismo exato da HII ainda não é completamente elucidado, mas a teoria mais aceita gira em torno de um desequilíbrio na dinâmica do LCR. O cérebro é banhado e protegido por esse líquido, que é continuamente produzido e absorvido para manter uma pressão intracraniana estável. Na HII, acredita-se que ocorra:

1. Aumento da Resistência à Absorção: A principal hipótese é que haja uma dificuldade na reabsorção do LCR para a corrente sanguínea através das vilosidades aracnóideas (estruturas que atuam como “ralos”).

2. Aumento da Pressão Venosa Intracraniana: Estudos recentes associam a HII à obesidade, sugerindo que a pressão intra-abdominal elevada em indivíduos obesos pode ser transmitida para o tórax e, consequentemente, para as veias intracranianas, aumentando a pressão venosa cerebral e dificultando a drenagem do LCR.

3. Aumento da Produção de LCR: Uma minoria de casos pode envolver uma produção excessiva de líquido, mas esta é uma causa menos comum.

O resultado final é um acúmulo de LCR, levando ao aumento da pressão intracraniana, que comprime e tensiona estruturas sensíveis, como os nervos ópticos e o próprio parênquima cerebral.

Epidemiologia e Fatores de Risco

A HII apresenta uma incidência de aproximadamente 1 a 2 por 100.000 na população geral. No entanto, esse número mascara uma disparidade significativa:

  • Obesidade: É o fator de risco mais forte e prevalente. Mulheres obesas em idade fértil (entre 20 e 45 anos) têm uma incidência que salta para 20 a 30 por 100.000. O risco aumenta proporcionalmente ao Índice de Massa Corporal (IMC).
  • Gênero: Cerca de 90% dos pacientes diagnosticados são mulheres.
  • Idade: É mais comum em jovens e adultos de meia-idade.
  • Condições e Medicamentos Associados:
    • Alterações Endócrinas: Síndrome dos Ovários Policísticos, Hipotiroidismo, Doença de Addison.
    • Medicamentos: Uso de tetraciclinas, minociclina, altas doses de vitamina A e seus derivados (isotretinoína para acne), contraceptivos orais, terapia de reposição hormonal, lítio e corticosteroides (especialmente na sua retirada).
    • Condições Sistêmicas: Apneia do Sono Obstrutiva, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Doença Renal Crônica.
    • Gestação: Especialmente no terceiro trimestre e no período pós-parto.

Quadro Clínico: Sinais e Sintomas

Os sintomas da HII são decorrentes diretamente da pressão elevada no crânio.

  • Cefaleia (Dor de Cabeça): É o sintoma mais comum (90% dos casos). Geralmente é diária, difusa, de caráter pressivo ou pulsátil, piora pela manhã ao acordar ou com manobras que aumentam a pressão intracraniana (como tossir, espirrar ou se agachar). Pode ser severa a ponto de acordar o paciente do sono.
  • Distúrbios Visuais Transitórios: Episódios breves (duram segundos) de visão turva, escurecida ou “apagada”, desencadeados por mudanças de posição ou esforço. Este é um sinal de alerta crítico.
  • Papiledema: É o sinal físico mais importante. É o inchaço do disco óptico (onde o nervo óptico entra no olho) devido à compressão pelo LCR. O papiledema é detectado no exame de fundo de olho e, se não tratado, pode evoluir para atrofia do nervo óptico e perda visual permanente.
  • Perda do Campo Visual: O dano ao nervo óptico pelo papiledema causa perda da visão periférica, começando pelos quadrantes nasais inferiores e podendo progredir para uma visão “tubular”. O paciente pode não perceber até que a perda esteja avançada.
  • Diplopia (Visão Dupla): Ocorre por compressão do nervo abducente (VI par craniano), que controla o movimento lateral do olho. É uma diplopia horizontal.
  • Pulsátil: Zumbido no ouvido sincrônico com o pulso. É causado pelo fluxo sanguíneo turbulento próximo à cóclea, devido à pressão intracraniana elevada.
  • Outros Sintomas: Náuseas e vômitos (especialmente pela manhã), dor no pescoço e ombros, tontura, dificuldades cognitivas (como “névoa mental” e problemas de memória) e intolerância a exercícios.

Diagnóstico: Critérios e Exames Complementares

O diagnóstico segue os Critérios de Dandy Modificados, que incluem:

1. Sinais e sintomas de hipertensão intracraniana (cefaleia, papiledema).

2. Ausência de déficit neurológico focal (exceto paralisia do VI par).

3. Exames de imagem normais (ressonância magnética ou tomografia), sem evidência de trombose venosa, hidrocefalia ou lesão expansiva.

4. Pressão de abertura do LCR elevada (geralmente > 25 cmH₂O em adultos obesos e > 20 cmH₂O em adultos não obesos) na punção lombar, com composição química e celular normais.

Os exames essenciais são:

  • Exame Oftalmológico Completo: Inclui fundoscopia para detectar papiledema, avaliação da acuidade visual, campimetria (para mapear defeitos no campo visual) e Tomografia de Coerência Óptica (OCT), que mede com precisão a espessura da camada de fibras nervosas da retina, permitindo quantificar o edema e monitorar a resposta ao tratamento.
  • Ressonância Magnética (RM) e Ressonância Venográfica (MRV): A RM é crucial para excluir outras causas. A MRV é altamente recomendada para descartar a Trombose Venosa Cerebral, uma causa tratável de hipertensão intracraniana secundária que mimetiza a HII.
  • Punção Lombar (Raquicentese): É o exame definitivo. Realizada com o paciente deitado de lado, mede a pressão de abertura do LCR. Além de ser diagnóstica, a retirada de uma quantidade significativa de LCR (20-30 mL) tem um efeito terapêutico temporário, aliviando os sintomas.

Abordagem Terapêutica: Do Estilo de Vida à Neurocirurgia

O objetivo principal do tratamento é preservar a visão e, secundariamente, aliviar os sintomas, especialmente a cefaleia.

  1. Modificações do Estilo de Vida:
  • Perda de Peso: É a intervenção mais eficaz. Uma perda de peso modesta (5-10% do peso corporal) pode levar à remissão ou melhora significativa da doença em muitos pacientes.
  • Dieta com Baixo Sódio: Auxilia no controle da retenção hídrica e, consequentemente, da pressão intracraniana.

2. Tratamento Farmacológico:

  • Acetazolamida: É o medicamento de primeira linha. É um diurético inibidor da anidrase carbônica que reduz a produção de LCR. Os efeitos colaterais comuns incluem parestesias (formigamento nas mãos e pés), alteração do paladar (especialmente para bebidas gaseificadas) e fadiga.
  • Topiramato: Uma alternativa, também inibidor da anidrase carbônica. É particularmente útil em pacientes que também sofrem de enxaqueca. Pode causar perda de peso, o que é benéfico, mas também confusão mental e dificuldade de encontrar palavras.
  • Outros Diuréticos: A furosemida pode ser usada em associação em casos resistentes.
  • Corticosteroides: São reservados para casos agudos e graves de papiledema com ameaça iminente à visão, devido aos seus significativos efeitos colaterais no uso prolongado.

3. Procedimentos Intervencionistas e Cirúrgicos:

Indicados quando há falha do tratamento clínico,intolerância aos medicamentos ou progressão rápida da perda visual.

  • Punção Lombar Terapêutica Seriada: Pode ser realizada repetidamente para controle temporário da pressão em crises agudas, mas não é uma solução de longo prazo.
  • Derivação (Shunt) do LCR: Procedimento neurocirúrgico no qual um cateter é implantado para drenar o excesso de LCR para outra cavidade do corpo, geralmente o peritônio abdominal (Derivação Ventrículo-Peritoneal) ou o átrio direito do coração (Derivação Ventrículo-Atrial). Eficaz para controlar a pressão e aliviar a cefaleia, mas tem uma alta taxa de complicações, incluindo obstrução, infecção e necessidade de revisões cirúrgicas.
  • Descompressão da Bainha do Nervo Óptico: Procedimento oftalmológico microcirúrgico onde são feitas incisões na bainha que envolve o nervo óptico, criando uma “válvula de escape” para o LCR e aliviando a pressão diretamente sobre o nervo. É altamente eficaz para proteger a visão, mas tem pouco efeito sobre a cefaleia.

Prognóstico

O curso da HII é variável. Muitos pacientes entram em remissão após a perda de peso e o tratamento inicial, podendo eventualmente suspender a medicação. No entanto, é uma condição crônica para uma parcela significativa, exigindo monitoramento a longo prazo.

O acompanhamento oftalmológico regular com campimetria e OCT é fundamental para detectar precocemente qualquer piora. A falta de tratamento adequado resulta em dano irreversível ao nervo óptico e cegueira.

Conclusão

Hipertensão Intracraniana Idiopática é uma condição séria que afeta predominantemente mulheres jovens obesas. Seu diagnóstico requer uma abordagem multidisciplinar (neurologista, oftalmologista e neurocirurgião), e o tratamento é centrado na perda de peso e no controle da pressão intracraniana para prevenir a principal complicação: a perda da visão.

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